30 de dez. de 2010

Aula 13 - Novos direitos, novos desafios - II

1. Direitos das Mulheres
Em face do processo de internacionalização dos direitos humanos, foi o documento da Declaração e Programa de Ação (Viena-1993) que, de forma explícita, afirmou, em seu parágrafo 18, que os direitos humanos das mulheres e das meninas são parte inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos universais. Esta concepção foi reafirmada pela Plataforma de Ação de Pequim, de 1995. O legado de Viena é duplo: endossa a universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos invocada pela Declaração Universal de 1948 e também confere visibilidade aos direitos humanos das mulheres e das meninas, em expressa alusão ao processo de especificação do sujeito de direito e à justiça enquanto reconhecimento de identidades.
O balanço das últimas três décadas nos mostra que o movimento internacional de proteção dos direitos humanos das mulheres centrou seu foco em três questões centrais:

a. A discriminação contra a mulher - a experiência brasileira reflete tanto a vertente repressivo-punitiva (pautada pela proibição da discriminação contra a mulher), como a vertente promocional (pautada pela promoção da igualdade, mediante políticas compensatórias).
A igualdade entre homens e mulheres em geral (artigo 5º, I) e especificamente no âmbito da família (artigo 226, parágrafo 5º); a proibição da discriminação no mercado de trabalho, por motivo de sexo ou estado civil (artigo 7o, XXX, regulamentado pela Lei 9.029, de 13 de abril de 1995, que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização e outras práticas discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho) ;a proteção especial da mulher do mercado de trabalho, mediante incentivos específicos (artigo 7º, XX,

b. A violência contra a mulher - embora a Constituição de 1988 seja a primeira a explicitar a temática, merecendo destaque também a lei que caracteriza a violência do assédio sexual (a Lei 10.224, de 15 de maio de 2001), não há ainda legislação específica a tratar, por exemplo, da violência doméstica.
O dever do Estado de coibir a violência no âmbito das relações familiares (artigo 226, parágrafo 8º).

c.Os direitos sexuais e reprodutivos - a Carta de 1988 reconhece o planejamento familiar como uma livre decisão do casal, devendo o Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer coerção. Resta, todavia, a necessidade de assegurar amplos programas de saúde reprodutiva, reavaliando a legislação punitiva referente ao aborto, de modo a convertê-lo efetivamente em problema de saúde pública.
O Artigo 226, parágrafo 7º, regulamentado pela Lei 9.263, de 12 de janeiro de 1996, que trata do planejamento familiar, no âmbito do atendimento global e integral à saúde como uma livre decisão do casal, devendo o Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito.

No âmbito da estrutura governamental, compete à Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República – SEPM/PR – criada pela Lei 10.683, de 28/05/2003 – dentre outras atribuições: assessorar direta e imediatamente o Presidente da República na formulação, coordenação e articulação de políticas para as mulheres, com vistas à promoção da igualdade entre homens e mulheres através da cooperação com organismos nacionais e internacionais, públicos e privados voltados para a implementação de políticas para as mulheres.
Além desses avanços, merece ainda destaque a Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997, que estabelece normas para as eleições, dispondo que cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo.
Há que se observar que os avanços obtidos no plano internacional têm sido capazes de impulsionar transformações internas na construção dos direitos humanos das mulheres no contexto brasileiro e têm possibilitado ao movimento de mulheres brasileiras exigir a implementação de avanços obtidos na esfera internacional.
Nesse sentido, cabe destaque o impacto de documentos como a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, de 1979, a Declaração e Programa de Ação de Viena - 1993, a Conferência sobre População e Desenvolvimento do Cairo, de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, de 1994 e a Declaração e a Plataforma de Ação de Pequim, de 1995.


2. Direitos dos Afro-descendentes
Embora não exista no sentido biológico a categoria ‘raça’, o termo ‘raça’ é utilizado de modo pleno no mundo social e funciona como instrumento ideológico e político de classificação, identificação e determinação do lugar que as pessoas negras e não-negras ocupam em sociedade. Como já observamos, o paradigma (modelo, padrão) que, em geral orienta o pensamento político, jurídico e social no Brasil e em boa parte do mundo ocidental, é o do homem, branco, adulto, ocidental, heterossexual e dono de um patrimônio.
Na contramão desse paradigma, ao tratar do tema da igualdade, a Constituição Brasileira acolhe duas vertentes do combate à discriminação e o da promoção da igualdade. Constata-se que a regulamentado pela Lei 9.799, de 26 de maio de 1999, que insere na Consolidação das Leis do Trabalho regras sobre o acesso da mulher ao mercado de trabalho); Lei Afonso Arinos de 1951 (Lei 1390/51) foi a primeira a caracterizar o racismo como contravenção penal (crime de menor potencial ofensivo). Portanto, somente com a Constituição de 1988, 100 anos após a abolição da escravatura, o racismo foi elevado a crime, inafiançável, imprescritível e sujeito à pena de reclusão, nos termos do art.5º, XLII.
A fim de conferir cumprimento ao dispositivo constitucional, surgiu a Lei n. 7.716 de 5 de janeiro de 1989 (Lei Caó), que definiu os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor.
Essa lei veio a ser alterada posteriormente em 1997 (Lei 9.459/97 ), para também contemplar a injúria baseada em discriminação racial (ex: as humilhações, os xingamentos etc).
Contudo, em relação à discriminação racial, o aparato repressivo-punitivo tem se mostrado insuficiente para enfrentar tal forma de discriminação. De um lado, faz-se necessário fomentar a capacitação jurídica para que os diversos atores possam, com maior eficácia responder à gravidade do racismo. No mesmo sentido, cabe aprimorar e fortalecer o aparato repressivo, tornando o racismo, a xenofobia e outras formas de intolerância, agravantes de crimes. Como sugere o documento brasileiro à Conferência de Durban.
É necessário ir além da punição e investir também na promoção. Isto é, o combate à discriminação torna-se insuficiente se não se verificam medidas voltadas à promoção da igualdade. Por sua vez, a promoção da igualdade, por si só, mostra-se insuficiente se não se verificam políticas de combate à discriminação.
A Constituição Brasileira, em seu artigo 5º, incisos XLI e XLII, estabelece que a "lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais", acrescentando que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei."
Em um país em que os afro-descendentes são 64% dos pobres e 69% dos indigentes (dados do IPEA – Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada), em que o índice de desenvolvimento humano geral (IDH, 2000) coloca o País em 74o lugar, mas que, sob o recorte étnico-racial, o IDH relativo à população afro-descendente indica a 108a posição (enquanto o IDH relativo à população branca indica a 43a posição), faz-se necessária a adoção de ações afirmativas em benefício da população negra, em especial nas áreas da educação e do trabalho.
No caso brasileiro, citamos o Programa Nacional de Direitos Humanos, que faz expressa alusão às políticas compensatórias, prevendo como meta o desenvolvimento de ações afirmativas em favor de grupos socialmente vulneráveis e o Programa de Ações Afirmativas na Administração Pública Federal; e a adoção de políticas de cotas em Universidades (a exemplo da Universidade do estado do Rio de Janeiro - UERJ, Universidade do estado da Bahia - UNEB, Universidade de Brasília - UnB etc).
As conquistas obtidas até aqui, no campo das relações raciais no Brasil, são frutos da atuação do movimento negro organizado que vem lutando pelo reconhecimento da população negra como sujeito de direito. Como exemplo recente da luta e resistência negra brasileiras, citamos a lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que dispõe sobre a inclusão no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira". A população negra (pretos e pardos) representa 45% da população total do Brasil. Fonte: IBGE.
No âmbito da Presidência da República, por meio da Lei 10.678, de 23/05/2003, a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR, à qual compete dentre outras atribuições, assessorar o Presidente da República direta e imediatamente na formulação, coordenação, articulação e avaliação de políticas e diretrizes para a promoção da igualdade racial e da proteção dos direitos de indivíduos e grupos raciais e étnicos, com ênfase na população negra, afetados por discriminação racial e demais formas de intolerância.


3. Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência
Não se sabe ao certo qual é o número de pessoas portadoras de deficiência no Brasil. Todavia, podemos afirmar que se trata de expressivo número de brasileiros(as), que vêm sendo apartados(as) da vida social e que, apenas recentemente, receberam proteção constitucional.
A história constitucional brasileira revela que, dispositivos específicos acerca dos direitos das pessoas portadoras de deficiência, somente puderam ser observados a partir de 1978, com a edição da Emenda Constitucional 12/78, que representou um marco na defesa deste grupo. Seu conteúdo compreendia os principais direitos das pessoas portadoras de deficiência (educação, assistência e reabilitação, proibição de discriminação e acessibilidade).
A Carta Brasileira de 1988 manteve os direitos que já eram previstos na Emenda Constitucional 12/78, conferindo-lhes maior detalhamento e especificidade, bem como fixando as atribuições executivo-legislativas de cada estado. Ressalte-se, ainda, que a Constituição sofreu a influência e o impacto de um movimento crescente de tutela da pessoa portadora de deficiência no âmbito internacional.
Ao revelar um perfil eminentemente social, a Carta Brasileira de 1988 impõe ao poder público o dever de executar políticas que minimizem as desigualdades sociais, e, é neste contexto que se inserem os sete artigos constitucionais relativos às pessoas portadoras de deficiência (10 Art. 7º, XXXI; Art. 23, II; Art. 24, XIV; Art. 37, VIII; Art. 203, IV e V; Art. 227, Parágrafo 1º, II e Parágrafo 2º e Art. 224).
Todavia, passados mais de quinze anos de vigência desta Carta, a violação de direitos subsiste e a concretização dos dispositivos constitucionais ainda constitui meta a ser alcançada.
Na esfera do governo federal, foi criado no âmbito do Ministério da Justiça, o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência – CONADE, órgão superior de deliberação colegiada. Em maio de 2003, o CONADE passou a ser vinculado à Presidência da República, por meio da Secretaria Especial de Direitos Humanos, e tem como principal competência, acompanhar e avaliar o desenvolvimento da Política Nacional para integração da Pessoa Portadora de Deficiência e das políticas setoriais de educação, saúde, trabalho, assistência social, transporte, cultura, turismo, desporto, lazer e política urbana dirigidas a este grupo social. Para implementar a Política Nacional e orientar sua atuação, tanto do ponto de vista normativo quanto regulador, foi criada a Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – órgão de Assessoria da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.
A exemplo do que ocorre com a legislação, os inúmeros programas e políticas públicas existentes são elaborados sem a consulta e participação da sociedade civil (ou com participação fictícia) e não são implementados. Na opinião de entidades representativas dos direitos das pessoas portadoras de deficiência, a falta de implementação deve-se ao abismo entre as propostas de governo e sua execução, quer seja por motivos políticos, quer seja pela ausência de capacitação e sensibilidade dos agentes estatais incumbidos de executá-las.

Referências bibliográficas
Constituição 1988: Texto Constitucional de 5 de outubro de 1988. Brasília; Ed. Atual. 1988. Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1988, 336p.
GOMES, Verônica. Indivíduos “fora de lugar”: o caso dos docentes negros(as) nas relações de trabalho na Universidade de Brasília. Dissertação de Mestrado. Brasília, departamento de Sociologia,Universidade de Brasília, 2003.
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 2002.
DEJOURS, Christophe. A Banalização da Injustiça Social. 3ª ed. Rio de Janeiro. Editora FGV,2000.
FERNANDES, Florestan. A Integração do Negro na Sociedade de Classes. Vol 2, 3ª ed. São Paulo, Ática, 1978.
GUIMARÃES, A. S. A . Classes, Raças e Democracia. São Paulo, Ed.34,2002.
REDE Nacional Feminista de Saúde. Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos. Dossiê Assimetrias Raciais no Brasil. Rede Feminista de Saúde. Belo Horizonte: Rede Feminista de Saúde, 2003.
ROCHA, M. I..B (org).Trabalho e Gênero: mudanças, permanências e desafios. Campinas: ABEP, NEPO/UNICAMP e CEDEPLAR/UFMG/São Paulo:Ed. 34, 2000.
Relatório de Desenvolvimento Humano – racismo, pobreza e violência. São Paulo, Ed. PrimaPagina, PNUD, 2005.

Links interessantes

Direitos da mulheres:

Direitos dos Afro-descendentes:

Lei dos crimes de preconceito (Lei 7716):

Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência

Estatuto das Pessoas com Deficiência

Autores: Daniela Ikwa, Flávia Piovesan, Guilherme de Almeida, Verônica Gomes.
Fonte: Curso de Formação de Conselheiros em Direitos Humanos (Abril a Julho/2006), realização de Ágere Cooperação em Advocacy, com apoio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos/PR. É permitida a reprodução integral ou parcial deste material, desde que seja citada a fonte.

29 de dez. de 2010

Aula 12 - Novos direitos, novos desafios - I

O princípio da igualdade exige que as especificidades e as diferenças entre todas as pessoas sejam observadas, reconhecidas e respeitadas. Somente mediante essa perspectiva é possível passar da igualdade formal para a igualdade material ou substantiva. Tal perspectiva concretizou-se com o processo de multiplicação dos direitos humanos que envolveu não apenas o aumento dos bens merecedores de tutela, mediante a previsão dos direitos à prestação (como os direitos econômicos, sociais e culturais), como também envolveu a extensão da titularidade de direitos.
Os sistemas normativos internacional e nacional passam a reconhecer gradativamente direitos endereçados às crianças, aos idosos, às mulheres, às pessoas vítimas de tortura, às pessoas vítimas de discriminação racial, dentre outros.
No âmbito internacional, são elaboradas a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, a Convenção Internacional contra a Tortura, a Convenção sobre os Direitos da Criança, dentre outros importantes instrumentos internacionais.
No caso brasileiro, o processo de especificação do sujeito de direito ocorreu fundamentalmente com a Constituição Brasileira de 1988 que, por exemplo, traz capítulos específicos dedicados à criança, ao adolescente, ao idoso, aos índios, bem como dispositivos constitucionais específicos voltados às mulheres, à população afro-descendente, às pessoas portadoras de deficiência etc.

1. Direito à Nacionalidade
A nacionalidade é o vínculo jurídico-político da pessoa a determinado Estado Nacional (país). É por meio da nacionalidade que identificamos sob que regime e sistema político a pessoa vive e quais os seus direitos e deveres, segundo as leis do Estado do qual ela é nacional.
Para considerar a importância do direito à nacionalidade, pense na situação da pessoa que não é nacional de nenhum país – o apátrida (sem pátria, sem nação). Que direitos ele tem? Quais são os seus bens jurídicos? Quais são as normas que fundamentam seus direitos? No caso do apátrida, todas essas perguntas ficam sem respostas. Ainda que exista um relevante sistema de proteção internacional dos direitos humanos, pode-se afirmar que o direito à nacionalidade compõe o direito a ter direitos.
Nessa situação, pode encontrar-se o “refugiado” que, segundo o Estatuto do Refugiado (artigo primeiro, incisos I, II e III) caracteriza-se como sendo todo indivíduo que “devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país” ou, ainda, aquele(a) que, “não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior”; ou que “devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país”.
A Constituição de 1988 determina que a nacionalidade pode resultar de fato natural – o nascimento – ou de fato voluntário, ocorrido depois do nascimento. No primeiro caso, a Constituição prevê, no seu Art. 12, I, que são brasileiros natos:

a.os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;

b.os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil; e

c.os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira.

No caso da nacionalidade por fato voluntário, a Constituição, no Art. 12, II, estabelece que serão brasileiros naturalizados:

a.os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;

b.os estrangeiros de qualquer nacionalidade residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.

A Constituição veda à lei estabelecer qualquer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos caso previstos na própria Constituição (Art. 12, Parágrafo 2º).
Outro importante passo dado em direção à promoção dos direitos humanos, foi a Mobilização Nacional pelo Registro de Nascimento em 25 de outubro de 2003 para garantir os direitos a um nome e um sobrenome a milhares de brasileiros e brasileiras. Com o registro de nascimento a pessoa passa a existir enquanto indivíduo sujeito de direitos e pode pleitear a satisfação desses direitos. Com essa mobilização e outros estudos foi criado o Plano Nacional Para Registro Civil de Nascimento que tem a missão de estabelecer ações articuladas que garantam a certidão de nascimento a todos os brasileiros. Outras metas previstas no plano são erradicar o sub-registro de nascimento até outubro de 2006 e fortalecer o sistema brasileiro de registro civil.

2. Direito ao Meio Ambiente
A Constituição Federal de 1988 inovou ao dedicar um capítulo próprio ao direito ao meio ambiente. Trata-se do Capítulo VI do Título VIII – Da Ordem Social que diz: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (Art. 225, caput).
O avanço tecnológico acelerado, ocorrido a partir da Revolução Industrial no final do século XVIII e acentuado ainda mais a partir de meados do século XX, além de trazer comodidades e novos confortos para parte da população mundial também implicou a drástica devastação do meio ambiente, gerando graves ameaças para a saúde do equilíbrio ecológico e da vida no planeta.
A tomada de consciência desse perigo, sobretudo a partir da década de 1970, e o imenso patrimônio ecológico e de biodiversidade do Brasil aparecem finalmente refletidos no Capítulo da Constituição dedicado ao direito ao meio ambiente quando se reconhece o direito ao meio ambiente equilibrado como “um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”.
Observe que o reconhecimento desse direito não se limita ao presente, mas implica em verdadeiro pacto entre as gerações presentes e futuras. Isto é, todos nós, além de titulares do direito ao meio ambiente, temos o dever de preservá-lo para os nossos descendentes. Trata-se da expressão do valor de fraternidade entre todos os povos e entre gerações.

3. Direito dos Povos Indígenas
Os povos indígenas foram os habitantes originários do território brasileiro. Sabemos que, ao longo do período Colonial, esses povos foram escravizados, explorados e dizimados pelos colonizadores. Mesmo depois da Independência e da proclamação da República, o avanço na ocupação de terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas feriu mortalmente as tradições e mesmo a sobrevivência de vários grupos indígenas.
A Constituição de 1988 traduz o reconhecimento dessa dívida histórica e da vulnerabilidade social dos povos indígenas e tem como objetivos proteger suas tradições, além de sinalizar, com medidas afirmativas, o respeito à dignidade dos povos indígenas. Esse é o espírito com que deve ser lido e interpretado o caput do Art. 231, que abre o capítulo dedicado aos povos indígenas: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
Além de tornar dever dos poderes públicos a proteção e respeito ao patrimônio material, social e cultural dos povos indígenas, a Constituição também atribui aos próprios indígenas, suas comunidades e organizações a legitimidade para defender seus direitos e interesses ativamente perante o Poder Judiciário. Se, anteriormente à Constituição de 1988, os povos indígenas (silvícolas) eram considerados sujeitos de direito relativamente capazes, com a sua publicação, eles adquirem capacidade jurídica plena.
A Fundação Nacional do Índio - FUNAI é o órgão do governo brasileiro que estabelece e executa a Política Indigenista no Brasil, dando cumprimento ao que determina a Constituição de 1988. Na prática, significa que compete à FUNAI promover a educação básica dos povos indígenas, demarcar, assegurar e proteger as terras por eles tradicionalmente ocupadas, estimular o desenvolvimento de estudos e levantamentos sobre os grupos indígenas.
No âmbito da Secretaria Especial dos Direitos Humanos – SEDH, cabe ao Conselho Nacional de Combate à Discriminação - CNCD, criado em outubro de 2001, a função de propor e acompanhar políticas públicas para a defesa dos direitos de indivíduos e grupos sociais vítimas de discriminação racial e étnica ou outra forma de intolerância, dentre estes, os povos indígenas.


Referências bibliográficas
ZAJDSZNAJDER L. Ética, estratégia e comunicação. Rio de Janeiro; Editora FGV; 1999; 28-29.
NOLETO M.A. Subjetividade jurídica: a titularidade de direitos em perspectiva emancipatória. Porto Alegre; Sergio Antonio Fabris Editor; 1998; 43: 42: 48.
CAMPILONGO, C.F. Direito, cidadania e justiça: ensaio sobre lógica, interpretação, teoria, sociologia e filosofias jurídica: o trabalhador e o direito à saúde: a eficácia dos direitos sociais e o discurso neoliberal. São Paulo; Editora Revista dos Tribunais; 995; 37: 134: 136.
WESTPHAL M.F., Almeida, ES. Gestão de serviços de saúde: descentralização, municipalização do SUS. São Paulo; Editora da Universidade de São Paulo; 2001; 14-49.
BERTOLLI, CF. História da saúde pública no brasil. 4ª Ed. São Paulo; Editora ática; 2001.


Links interessantes
Direitos humanos: http://www.dhnet.org.br/inedex.htm, após acessar a página, clique em banco de dados, depois em textos e reflexões.

Direito à nacionalidade

Estatuto do Refugiado: http://www.dhnet.org.br/ direitos/sip/onu/asilo/lex162.htm  

Lei do Registro Único de Identidade Civil (Lei nº 9.454):

Direito ao meio-ambiente

Direitos dos Povos Indígenas:

Regimento da FUNAI:

Estatuto do Índio http://www.funai.gov.br/quem/legislacao/estatuto_indio.html

Autores: Daniela Ikwa, Flávia Piovesan, Guilherme de Almeida, Verônica Gomes.
Fonte: Curso de Formação de Conselheiros em Direitos Humanos (Abril a Julho/2006), realização de Ágere Cooperação em Advocacy, com apoio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos/PR. É permitida a reprodução integral ou parcial deste material, desde que seja citada a fonte.

28 de dez. de 2010

Aula 11 - Direitos Sociais e Direitos Políticos

1. Direitos Sociais
Os direitos sociais e econômicos passaram a ser reconhecidos pelas Constituições nacionais sob a influência e a pressão dos movimentos sociais e políticos do final do século XIX e início do século XX, principalmente os movimentos da classe operária, de inspiração anarquista, socialista e comunista, assim como o fortalecimento da social-democracia européia. As primeiras Constituições a adotá-los foram a do México, de 1917, e a da Alemanha, de 1919.
No Brasil, a primeira Constituição a reconhecê-los foi a de 1934. Esses direitos correspondem historicamente a uma “segunda geração de direitos humanos” porque reconhecida depois da “primeira geração”, surgida com o movimento constitucionalista ligado à “Era das Revoluções Burguesas”, ao final do século XVIII.
Note que a idéia de “gerações de direitos humanos” apenas é utilizada para indicar o reconhecimento das espécies de direitos humanos ao longo da História. Mas isso não significa que os direitos de “segunda geração” somente devam ser reconhecidos ou promovidos após a total implementação dos direitos de “primeira geração”. Não há aqui uma hierarquia ou uma sucessão geracional de direitos.
Se a primeira geração visava afirmar direitos políticos e civis individuais (as chamadas liberdades públicas) contra abusos do Estado, a segunda geração, inspirada no valor da igualdade (contraposta ao que se considerava liberdades meramente formais dos direitos civis e políticos), buscava a conquista de direitos substanciais capazes de garantir o exercício efetivo das liberdades públicas pelas classes sociais menos favorecidas.
A idéia que resume os direitos humanos de cunho social e econômico é sintetizada pelo exemplo de que de nada serve ao indivíduo o direito de votar e ser votado (direito político) e a liberdade de expressão intelectual (direito civil) se ele não tem necessidades vitais mínimas asseguradas, como sua saúde, moradia e educação - direitos sociais que o tornam apto a exercer seus direitos civis e políticos. A Constituição de 1988 foi a primeira a incluir os direitos sociais, juntamente com os direitos individuais, no universo dos Direitos e Garantias Fundamentais (Título II).
A Constituição, em seu Art. 6º (que inaugura o Capítulo II – “Dos Direitos Sociais” - do Título II, estabelece que “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência social aos desamparados, na forma desta Constituição”. A este capítulo conjuga-se o Titulo VIII da Constituição dedicado à “Ordem Social”, o qual tem “como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem estar e a justiça social”(Art. 193).
Ao longo da ordem social estão traçadas as diretrizes constitucionais que devem nortear as políticas públicas para a promoção da seguridade social (Arts. 194 a 204). Estas incluem as seções da saúde, previdência e assistência social), para a promoção da educação, da cultura e do desporto (Arts. 205 a 217, observando-se que cultura e desporto abrangem tanto o direito à educação como o direito ao lazer) e para a proteção da família, da criança, do adolescente e do idoso (Arts. 226 a 230).
Portanto, os direitos sociais requerem uma ação do Estado mediante a elaboração de políticas públicas aptas a promovê-los. O estudo dos direitos sociais tal como dispostos no Art. 6º deve sempre estar correlacionado com os dispositivos da ordem social. Cabe destacar que a seguridade social deverá atender, dentre outros, aos objetivos democráticos da universalidade de cobertura e atendimento, da uniformidade e da equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, da irredutibilidade do valor dos benefícios e do caráter democrático e descentralizado da administração (Art. 194).
Com referência à íntima correlação entre direitos sociais e a exigência de políticas públicas adequadas a promovê-los, temos que a saúde e a educação (Art. 205) são direitos de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução da doença ou a igualdade de condições para o acesso, permanência e sucesso na escola, por exemplo.
Ainda no capítulo dos direitos sociais, a Constituição dedica o Art. 7º aos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais em suas relações individuais3 de trabalho e os Arts. 8º a 11º são dedicados aos direitos coletivos4 dos trabalhadores.
Temos assim que no Art. 7º estão relacionados os direitos fundamentais de cada trabalhador em sua relação individual de emprego, entre os quais: o salário mínimo (inciso IV), a irredutibilidade de salário (inciso VI), o décimo terceiro salário (inciso VIII), o repouso semanal remunerado (inciso XV), férias anuais remuneradas (inciso XVII), licença gestante (inciso XVIII), licença-paternidade (inciso XIX), aviso prévio (XXI) e aposentadoria e integração à previdência social (inciso XXIV).
Dentre os direitos coletivos dos trabalhadores, cabe destacar a livre associação sindical ou profissional (Art. 8º) e o direito de greve, “competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender” (Art. 9º, caput). Além disso, sendo o trabalho um direito social, tal como definido no Art. 6º, extrai-se do conjunto de normas da Constituição o direito ao trabalho de cada cidadão, o qual exige a firme atuação dos poderes públicos, por meio de políticas públicas, aptas a gerarem o pleno emprego.


2. Direitos Políticos
O titular da soberania no Estado Democrático de Direito, que constitui a República Federativa do Brasil, é o povo brasileiro. Os direitos políticos são o meio de exercício dessa soberania popular. Eles caracterizam o direito de cada cidadão contribuir para os propósitos da atuação do Estado, compondo as decisões fundamentais a orientar o Estado.
De maneira geral, podemos dizer que os direitos políticos traduzem-se na capacidade de votar e de ser votado. Note que a idéia de votar e ser votado é hoje intimamente ligada à democracia representativa, na qual o povo escolhe seus representantes políticos que ocuparão os cargos, sobretudo nos Poderes Executivo e Legislativo, com funções de administrar e legislar sobre o interesse comum.
A democracia representativa é característica das sociedades de massa que inviabilizam a participação de todo e cada cidadão em todas as decisões públicas. Em suas origens, a democracia era direta, quando todo e cada cidadão exercia o seu voto com igual peso nas decisões comuns.
Vale salientar que os direitos políticos em nosso país nem sempre foram respeitados, principalmente, durante o período da ditadura militar em que muitos homens e mulheres “desapareceram” em virtude de defender e atuar em prol de determinadas atividades políticopartidárias.
Cabe, então, mencionar a Lei 9.140, de 4/12/1995 que reconheceu como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação ou acusação de participação em atividades políticas no período de 2/09/1961 a 15/08/1979. Esta lei foi alterada pela Lei 10.536, de 14/08/2002 que, dentre outras alterações, ampliou o período de reconhecimento de pessoas desaparecidas para 2/09/1961 a 5/10/1988.
A Constituição de 1988 assegura que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (Art.1o, parágrafo único).
Adota, assim, a democracia representativa mesclada com mecanismos importantes da democracia direta na qual os cidadãos participam ativamente da tomada de decisões de relevância pública.
Por isso, nosso regime caracteriza-se como uma democracia participativa ou semi-direta. O Art. 14 da Constituição determina que “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com igual valor para todos, e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito , II – referendo; III – iniciativa popular”. O sufrágio universal implica que cada cidadão tem direito de voto, o qual será secreto e exercido diretamente por ele, tendo cada voto o mesmo valor.
Quanto ao alistamento eleitoral, o exercício do voto é obrigatório para os maiores de dezoito anos (Art. 14, Parágrafo 1º, I); facultativos para os analfabetos, os maiores de setenta anos e os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos (Art. 14, Parágrafo 1º, alíneas a), b) e c)). Os estrangeiros e os que estão prestando serviço militar obrigatório não podem alistar-se como eleitores (Art. 14, Parágrafo 2º). Nos termos do Art. 14, Parágrafo 3º, as condições para a elegibilidade para cargos públicos são: a nacionalidade brasileira; o pleno exercício dos direitos políticos; o alistamento eleitoral; o domicílio eleitoral na circunscrição (ou seja, no Município ou Estado para o qual será eleito o representante, e evidentemente, no Brasil, para o caso de eleição presidencial); a filiação a partido político; e a idade mínima de trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador, de vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de Paz, e de dezoito ano para Vereador. Não poderão ser eleitos os analfabetos e os inalistáveis (Art. 14, Parágrafo 4º).
Os três incisos do artigo 14 indicam os mecanismos de democracia direta ou democracia participativa adotados pela nossa Constituição como meios de exercício da cidadania ativa. Por meio do plebiscito, os cidadãos decidem diretamente determinada questão de relevância pública. Os representantes políticos deverão, obrigatoriamente, proceder e legislar conforme a vontade da maioria cidadã. A título de exemplo, citamos o plebiscito em 1993 para que se escolhesse a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) a vigorar no País, tendo os cidadãos escolhido diretamente a república presidencialista.
Já no referendo, os cidadãos têm o poder de aprovar (referendar) determinada medida já acolhida pelo poder Legislativo para que a cidadania confirme ou rejeite a norma em questão. A Constituição de 1988 atribuiu competência exclusiva ao Congresso Nacional para autorizar referendo e convocar plebiscito (Art. 49, XV).
Por sua vez, a iniciativa popular consiste mais precisamente na iniciativa popular legislativa. Trata-se do direito assegurado ao conjunto de cidadãos de iniciar o processo legislativo, apresentando projeto de lei à Câmara dos Deputados, com observância aos requisitos constitucionais do Art.61, parágrafo 2o.

Referências bibliográficas
ZAJDSZNAJDER L. Ética, estratégia e comunicação. Rio de Janeiro; Editora FGV; 1999; 28-29.
NOLETO M.A. Subjetividade jurídica: a titularidade de direitos em perspectiva emancipatória. Porto Alegre; Sergio Antonio Fabris Editor; 1998; 43: 42: 48.
CHAUÍ M. Roberto Lyra Filho ou da dignidade política do direito. Brasília. Editora NAIR, 1982;4. CAMPILONGO, CF. Direito, cidadania e justiça: ensaio sobre lógica, interpretação, teoria, sociologia e filosofias jurídica: o trabalhador e o direito à saúde: a eficácia dos direitos sociais e o discurso neoliberal. São Paulo; Editora Revista dos Tribunais; 1995; 37: 134: 136.

Links interessantes
Direito humanos: http://www.dhnet.org.br/inedex.htm, após acessar a página, clique em banco de dados, depois em textos e reflexões.

Integração econômica e o princípio da soberania nacional:

Direitos Humanos: constitucionalismo e internacionalismo:

Os direitos sociais e a moderna teoria da constituição:

A Justiciabilidade dos Direitos Humanos, Sociais e Culturais:

A Questão social no Brasil: os direitos econômicos e sociais como direitos fundamentais:

Código de Defesa do Consumidor:

Legislação:

Estes são os nossos direitos segundo a Constituição e o Direito Internacional

Relatório sobre a situação de direitos humanos no Brasil

Autores: Daniela Ikwa, Flávia Piovesan, Guilherme de Almeida, Verônica Gomes.
Fonte: Curso de Formação de Conselheiros em Direitos Humanos (Abril a Julho/2006), realização de Ágere Cooperação em Advocacy, com apoio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos/PR. É permitida a reprodução integral ou parcial deste material, desde que seja citada a fonte.

27 de dez. de 2010

Aula 10 - Direitos Fundamentais

1. Direito à vida
O direito à vida se confunde com a dignidade da pessoa humana. Sem a vida assegurada, não há como exercer a dignidade humana e todos os direitos dela decorrentes. Assim, como não basta garantir a vida como mera existência ou subsistência, mas sim uma vida plena de dignidade. Por isso, o núcleo essencial de onde se originam todos os demais direitos humanos reside na vida e na dignidade humana.
Em virtude do princípio da inviolabilidade da vida, é vedada a pena de morte (Art. 5º, inciso XLVII, alínea a); é proibido a tortura e o tratamento desumano ou degradante (Art.5º, inciso III); é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral (Art.5º, inciso XLIX), e é assegurado às presidiárias condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação (Art.5º, inciso L).
Observe que a proibição da tortura e a garantia da integridade física e moral traduzem a idéia de que agredir o corpo humano é uma forma de agredir a vida, pois esta (a vida) se realiza naquele (o corpo).
Vale observar, para que não se incorra em um erro freqüente, que esses direitos e garantias são direitos de todas as pessoas, inclusive dos suspeitos de crimes e criminosos. A integridade físico-corporal é, portanto, um bem vital e revela um direito fundamental do ser humano, cuja violação, em qualquer circunstância, é criminosa.
A Constituição de 1988 não tratou diretamente de dois outros temas controvertidos no que diz respeito ao direito à vida: a eutanásia e o aborto.

2. Direito à Liberdade
O artigo 5º da Constituição Federal de 1988, além de conter a previsão da liberdade de ação, que é a base das demais, confere fundamento jurídico às liberdades individuais e coletivas e correlaciona liberdade e legalidade, assim como liberdade e igualdade. Ou seja, a liberdade de fazer ou deixar de fazer é para todos e não apenas para alguns.
Segundo a classificação do constitucionalista José Afonso da Silva, as liberdades objetivas específicas previstas na Constituição podem ser distinguidas em cinco grandes grupos:

a. Liberdade da pessoa física – opõe-se ao estado de escravidão e de prisão. Observamos que a liberdade de circulação é a manifestação característica da assegurada liberdade de locomoção: direito de ir, vir e permanecer.

b. Liberdade de pensamento - inclui a liberdade de opinião, de religião, de informação, artística e de comunicação do conhecimento. A liberdade de pensamento é o direito de expressar por qualquer forma o que se pense em ciência, arte, religião, política ou em qualquer outra área.

c. Liberdade de ação profissional - implica no direito da livre escolha e exercício de trabalho, ofício e profissão. Conforme enuncia o Art. 5º, XIII: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.

d. Liberdades de expressão coletiva - compreende o livre acesso de todos à informação. Destaca-se a dimensão coletiva do direito à informação previsto pelo Art. 5º, inciso XIV; a liberdade de reunião pacífica em lugares públicos, o que evidentemente não exclui a liberdade de reuniões privadas ( art. 5º, inciso XVI); e a plena liberdade de associação, vedada as de caráter paramilitar.

e. Liberdades de conteúdo econômico e social - incluem a liberdade econômica, a liberdade de comércio, a livre iniciativa, a liberdade ou autonomia contratual, a liberdade de ensino e a liberdade de trabalho, das quais trataremos quando cuidarmos dos direitos sociais, que nos remetem ao direito à igualdade.


3. Direito à Igualdade
A igualdade constitui o signo fundamental de uma democracia republicana, uma vez que ela não admite os privilégios e distinções que um regime simplesmente liberal consagra. Numa democracia (governo do povo), a coisa pública (res publica), o estado, deve estar a serviço do bem comum, que são os direitos humanos, cujo fundamento é justamente a igualdade de todos os seres humanos em sua comum condição de pessoas.
A Constituição Federal, em seu Art. 1º, caput, estabelece que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito. Nenhum governo em uma democracia republicana será legítimo se não mostrar igual respeito e cuidado quanto ao destino de todos os cidadãos.
As Constituições têm reconhecido a igualdade em seu sentido formal jurídico: igualdade de todos perante a lei. O princípio da igualdade já é reforçado no próprio caput do Art. 5º, quando ele é assegurado ao lado da inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade. Isto é, fica muito clara a idéia de que todos esses direitos fundamentais devem ser assegurados igualmente a todos.
Assim é que, o primeiro inciso do Art. 5º declara, pela primeira vez na história do Direito brasileiro, que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações (artigo 7º, incisos XXX e XXXI). Se por um lado isso merece ser celebrado, por outro confirma o lamentável tratamento desigual dispensado às mulheres historicamente em nossa sociedade.
Cabe ainda menção aos comandos constitucionais que celebram o ideal da igualdade material, enquanto igualdade substantiva e justiça social, destacando-se as previsões que estabelecem: a redução das desigualdades sociais e regionais (Art. 3º, III); a universalidade da seguridade social; a garantia ao direito à saúde; à educação baseada em princípios democráticos e de igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, dentre outros.


4. Direito à Segurança
De maneira genérica, pode-se dizer que a segurança consiste na proteção conferida pela sociedade a cada um de seus membros para conservação de sua pessoa e de seus direitos.
Vale reforçar o significado fundamental do princípio da irretroatividade da lei para a segurança e a certeza das relações jurídicas. Assim é que, além da proteção jurídica no que diz respeito às relações sociais, citada no mencionado Art. 5º, XXXVI, o princípio é previsto na Constituição de 1988 também para a proteção da liberdade do indivíduo, contra a aplicação retroativa (para trás no tempo) da lei penal, contida no Art. 5º, XL: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Para a proteção do contribuinte contra a voracidade retroativa do Fisco, constante do Art., 150, III, a: “É vedada a cobrança de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado”.
Além da segurança jurídica em sentido amplo, a Constituição também garante a segurança dos indivíduos em sentido estrito por meio de regras que consagram o direito do indivíduo ao aconchego do lar com sua família ou só, quando define a casa como o “asilo inviolável do indivíduo” (Art.5º, XI), bem como mediante regras que protegem as comunicações pessoais, assegurando o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas (Art. 5º, XII).

5. Direito à Propriedade
O reconhecimento constitucional da propriedade como direito fundamental na Constituição de 1988 relaciona-se essencialmente à sua função de proteção pessoal (garantia de condições mínimas de manutenção de uma vida digna) e alcança tanto os que já são proprietários quanto os que carecem desse direito para a sua subsistência própria.
A Constituição brasileira reconhece explicitamente um direito de acesso à propriedade ao admitir um usucapião extraordinário, tanto de imóveis rurais (Art. 191), quanto de terrenos urbanos (Art. 183). Daí decorre que nem toda propriedade privada constitui um direito fundamental da pessoa humana, a merecer, por isso, uma proteção constitucional.
O regime jurídico da propriedade tem seu fundamento na Constituição. Esta garante o direito de propriedade, desde que atenda sua função social: “é garantido o direito de propriedade (Art. 5º, XXII); a propriedade atenderá sua função social”.

Referências bibliográficas
BOURDIEU P. A república de Pierre Bourdieu. São Paulo; Revista República: a revista do site primeira leitura; 2002; 6; 64; 48-52.
NOLETO M.A. Subjetividade jurídica: a titularidade de direitos em perspectiva emancipatória. Porto Alegre; Sergio Antonio Fabris Editor; 1998; 43: 42: 48.
CAMPILONGO, CF. Direito, cidadania e justiça: ensaio sobre lógica, interpretação, teoria, sociologia e filosofias jurídica: o trabalhador e o direito à saúde: a eficácia dos direitos sociais e o discurso neoliberal. São Paulo; Editora Revista dos Tribunais; 1995; 37: 134: 136.
ZAJDSZNAJDER L. Ética, estratégia e comunicação. Rio de Janeiro; Editora FGV; 1999; 28-29.
ARANHA M.L.A., MARTINS M.H.P. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo; Editora Moderna Ltda. ; 1992; 147.
BOBBIO,N. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo, Ícone editora, 1995, 27: 32.
CHAUÍ M. Roberto Lyra Filho ou da dignidade política do direito. Brasília. Editora NAIR, 1982;


Links interessantes
Sobre aborto

Sobre eutanásia

Sobre direitos humanos - escolher o item ‘busca’, depois clicar no macrotema ‘direitos humanos’ e depois o sub-tema ‘textos e reflexões sobre direitos humanos’ após haver entrado no site - http://www.dhnet.org.br/inedex.htm

Escolher o ícone ‘direitos humanos no Brasil’ após haver entrado no site - http://www.direitoshumanos.usp.br/

A Evolução da liberdade religiosa como direito humano universal:

O direito de religião no Brasil

O islam e os direitos humanos

O princípio da igualdade

A função social da propriedade e as ações possessórias:

Direito à propriedade de terra:

Relatório Direitos Humanos no Brasil 2005:

Direito à moradia:

Direito à segurança:

Direito à segurança e o direito processual penal constitucional:

Estatuto do desarmamento:

Projeto Segurança Pública para o Brasil:

Autores: Daniela Ikwa, Flávia Piovesan, Guilherme de Almeida, Verônica Gomes.
Fonte: Curso de Formação de Conselheiros em Direitos Humanos (Abril a Julho/2006), realização de Ágere Cooperação em Advocacy, com apoio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos/PR. É permitida a reprodução integral ou parcial deste material, desde que seja citada a fonte.

Ata da 75ª Reunião Plenária

Ata da septuagésima quinta (75ª) Reunião Plenária, Ordinária, do Conselho Municipal dos Direitos do Idoso – CMDI, aos sete de dezembro de dois mil e dez (07/12/2010), com primeira chamada às oito horas e trinta minutos (08h30), na sede da Casa dos Conselhos, com sede na Rua Trinta e um de Março s/nº, Praça Anny Carolyne Bracalente, Vila Boa Esperança, Valinhos/SP. Presente os seguintes Conselheiros Titulares: Maria Lúcia Gonçalves Brocanelli, Antonio Carlos Falsarella, Maria Aparecida Amaro Sartori, Maria Cecília de Carvalho, Marconi de Morais Brito, Sandra Regina Biral Santiago Soares, Maria do Carmo Carvalho Vedovatto; conselheiros Suplentes: Braz Eugenio Carlos Franceschini, Leandro de Lima Custódio; Justificativas: Nilza S.Sutero da Silva; Presentes Convidados: Vera Luzia do Nascimento–Fritz, Sônia de Freitas Cozzupoli, ambas representantes da Câmara da Melhor Idade. Presente o numero regimental de membros, a reunião foi aberta pela conselheira Maria Lúcia. Expediente: Ciência de correspondências e documentos recebidos:  A APAE de Valinhos convida para a festival arte e cultura que será realizado às dezenove horas no dia 7/12/2010 cujo tema e Todos Pela Preservação da Vida;  A Câmara municipal envia o convite para comemoração de 50 anos da Santa Casa da Misericórdia de Valinhos; A Câmara municipal convida para a Audiência publica para analisar a proposta de alteração no plano diretor III e na lei de Uso e Ocupação do Solo que será às dezenove horas do dia 15/12/2010; A câmara da melhor idade irá analisar a efetividade e viabilidade do programa pró idoso que aborda a atividade física do idoso dentro das academias; Às dezenove horas do dia 16/12/2010 será votado no plenário da câmara a lei 12213 que cria o Fundo Nacional do Idoso; PAUTA: I - Encaminhamento sobre a Cartilha do Idoso, blog e crachá para os novos conselheiros: A presidente Maria Lucia relata sobre o blog informativo do conselho cujo site é cmdivalinhos.blogsport.com e que nele poderão ser encontrados informações sobre a cartilha; É acordado que para confecção dos crachás serão necessários o RG, CPF e foto; Com relação à capacitação, foi combinado que será enviado material semanal em dezembro para que os conselheiros já fiquem respaldados nessas informações par facilitar inicio da capacitação quando a mesma for marcada; II – Discussão sobre regimento interno do CMDI: todos concordaram que seja feito posteriormente; III – Retrospectiva 2010: todos concordaram que seja elaborada com o calendário 2011; IV - Deliberação sobre reunião em janeiro (recesso): A conselheira Maria Cecília pede a analise do item e sugere recesso em janeiro e todos concordam que a primeira a reunião seja realizada no dia 01/02/2011; V – Assuntos Gerais: A convidada Vera Fritiz relata sobre a lei orgânica que aborda a gratuidade de homens e mulheres a partir dos sessenta anos de idade ao transporte; É acordado entre os conselheiros em apontar um órgão competente para fazer indicação das instituições de longa permanecia para idoso caso alguém precise. Nada mais havendo a tratar, deu-se por encerrada a reunião, da qual eu Marconi de Morais Brito, lavrei  a presente ata, que será assinada por todos os conselheiros presentes e que terá seu resumo publicado no Boletim Municipal.

23 de dez. de 2010

Aula 9 - Direitos Humanos na Constituição

1. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
A dignidade da pessoa humana pode ser considerada como o fundamento último do Estado Brasileiro. Ela é o valor-fonte a determinar a interpretação e a aplicação da Constituição, assim como a atuação de todos os poderes públicos que compõem a República Federativa do Brasil. Em síntese, o Estado existe para garantir e promover a dignidade de todas as pessoas. É nesse amplo alcance que está a universalidade do princípio da dignidade humana e dos direitos humanos.
Como valor-fonte, é da dignidade da pessoa humana que decorrem todos os demais direitos humanos. A origem da palavra dignidade ajuda-nos a compreender essa idéia essencial. Dignus, em latim, é um adjetivo ligado ao verbo decet (é conveniente, é apropriado) e ao substantivo decor (decência, decoro). Nesse sentido, dizer que alguém teve um tratamento digno significa dizer que essa pessoa teve um tratamento apropriado, adequado, decente.
Se pensarmos em dignidade da vida humana ou o que é necessário para se ter uma vida digna, começaremos a ver com mais clareza como todos os direitos humanos decorrem da dignidade da pessoa humana. Para que uma pessoa, desde sua infância, possa viver, crescer e desenvolver suas potencialidades decentemente, ela precisa de adequada saúde, alimentação, educação, moradia, afeto; precisa também de liberdade para fazer suas opções profissionais, religiosas, políticas, afetivas, etc.
Portanto, a dignidade da pessoa humana implica em todas as múltiplas e mínimas necessidades e capacidades para uma vida decente. Esse conjunto de necessidades e capacidades nada mais é do que o conteúdo dos direitos humanos, reconhecidos, por essa razão, como princípios e direitos fundamentais na Constituição Brasileira.
A dignidade é um atributo essencial do ser humano, quaisquer que sejam suas qualificações. Em última instância, a dignidade humana reside no fato da existência do ser humano ser em si mesma um valor absoluto, ou como disse o filósofo alemão Kant: o ser humano deve ser compreendido como um fim em si mesmo e nunca como um meio ou um instrumento para a consecução de outros fins.
Por isso é que o Estado deve ser um instrumento a serviço da dignidade humana e não o contrário. Por essas razões, o princípio da dignidade da pessoa humana exige o firme repúdio a toda forma de tratamento degradante (indigna) do ser humano, tais como a escravidão, a tortura, a perseguição ou mau trato por razões de gênero, etnia, religião, orientação sexual ou qualquer outra.
É em decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana que a Constituição de 1988, no seu Título II, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, afirma uma extensa relação de direitos individuais e coletivos (Capítulo I, Artigo 5º), de direitos sociais (Capítulo II, Artigos 6º a 11), de direitos de nacionalidade (Capítulo III, Artigos 12 e 13) e de direitos políticos (Capítulo IV, Artigos 14 a16).

1.1 - Prevalência dos Direitos Humanos nas Relações Internacionais
A Constituição de 1988, em seu Artigo 4º, inciso II, é a primeira em nossa história a estabelecer a prevalência dos direitos humanos como princípio do Estado Brasileiro em suas relações internacionais.
Se a dignidade da pessoa humana, com todos os direitos humanos dela decorrentes, deve orientar a atuação do Estado no âmbito nacional, seria contraditório renegar esses princípios no âmbito internacional. Afinal, não são apenas os brasileiros que devem ter sua dignidade humana respeitada e promovida, mas todas as pessoas, todos os seres humanos, pelo fato único e exclusivo de serem pessoas. Negar a prevalência desse princípio nas relações internacionais seria negar a humanidade dos que não são brasileiros.
Assim, ao afirmar esse princípio, o Estado Brasileiro compromete-se a respeitar e a contribuir na promoção dos direitos humanos de todos os povos, independentemente de suas nacionalidades.
A prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais ganha maior relevância no momento histórico em que vivemos, no qual, em virtude do desenvolvimento tecnológico, as distâncias entre as nações tendem a se encurtar cada vez mais e todas as pessoas tendem a se tornar verdadeiras cidadãs do mundo.
Um Estado regido pelo princípio fundamental da dignidade da pessoa humana não pode desprezar as violações dos direitos humanos praticadas por ou em outros Estados. Com a adoção desse princípio, o Brasil une-se à comunidade internacional, assumindo com ela e perante ela a responsabilidade pela dignidade de toda pessoa humana.
A Carta de 1988 é a primeira constituição nacional a consagrar um universo de princípios que guiam o Brasil no cenário internacional, fixando valores que orientam a agenda internacional do País. Essa orientação internacionalista se traduz nos princípios da prevalência dos direitos humanos, da auto-determinação dos povos, do repúdio ao terrorismo e ao racismo e da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, nos termos do artigo 4º, incisos II, III, VIII e IX. O artigo 4º, como um todo, simboliza a reinserção do Brasil na arena internacional.
Essa inovação em relação às Constituições anteriores consagra a prioridade do respeito aos direitos humanos como a principal referência para a atuação do País no cenário internacional. Isso implica não apenas o engajamento do Brasil no processo de elaboração de normas internacionais de direitos humanos, mas também a busca da plena incorporação de tais normas no direito interno. Implica ainda o compromisso de adotar uma posição política contrária aos Estados em que os direitos humanos sejam gravemente desrespeitados.
Ao reconhecer a prevalência dos direitos humanos em suas relações internacionais, o Brasil também reconhece a existência de limites e condicionamentos à soberania estatal. Isto é, a soberania do Estado fica submetida a regras jurídicas, tendo como padrão obrigatório a prevalência dos direitos humanos. Rompe-se com a concepção tradicional de soberania estatal absoluta, relativizando-a em benefício da dignidade da pessoa humana. Esse processo condiz com o Estado Democrático de Direito constitucionalmente pretendido.
Se para o Estado brasileiro a prevalência dos direitos humanos é princípio a reger o Brasil no cenário internacional, está-se, conseqüentemente, admitindo a idéia de que os direitos humanos são tema de legítima preocupação e interesse da comunidade internacional. Nessa concepção, os direitos humanos surgem para a Carta de 1988 como tema global. Tudo isso tem levado o Brasil a adotar os mais relevantes tratados internacionais de direitos humanos.
Também é de extrema importância o alcance da previsão do Artigo 5º, parágrafo 2º da Carta de 1988, ao determinar que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte. Isto é, ao aderir a um tratado internacional de direitos humanos, o Brasil não apenas assume compromissos perante a comunidade internacional, mas também amplia o catálogo de direitos humanos previstos em nossa Constituição.

Referências bibliográficas
Constituição 1988: Texto Constitucional de 5 de outubro de 1988. – Ed. Atual. Em 1988. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1988, 336p.
ARANHA M.L.A., Martins, MHP. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo; Editora Moderna Ltda.; 1992; 147.


Links interessantes
Constituição Federal – 15 anos – a dignidade humana:

O Direito brasileiro e o princípio da dignidade da pessoa humana:

Relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil:

Tratados de direitos humanos e direitos interno:

A influência dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos no direito interno brasileiro:

Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados:

Autores: Daniela Ikwa, Flávia Piovesan, Guilherme de Almeida, Verônica Gomes.
Fonte: Curso de Formação de Conselheiros em Direitos Humanos (Abril a Julho/2006), realização de Ágere Cooperação em Advocacy, com apoio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos/PR. É permitida a reprodução integral ou parcial deste material, desde que seja citada a fonte.

22 de dez. de 2010

Aula 8 - Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio

1. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e a Proteção dos Direitos Humanos:
Os objetivos de Desenvolvimento do Milênio – ODM têm sua origem na Declaração do Milênio das Nações Unidas (assinada durante a Cúpula do Milênio em setembro/2000 na ONU – Nova York, traduz as principais recomendações acordadas nas principais conferências mundiais sobre desenvolvimento e é um pacto para eliminar a pobreza e a extrema miséria no mundo até 2015), e incorporam grande parte dos instrumentos internacionais de direitos humanos. Em seu capítulo 5º, a Declaração do Milênio das Nações Unidas destaca com especial atenção o respeito “por todos os direitos humanos e liberdades fundamentais internacionalmente reconhecidos, nomeadamente, o direito ao desenvolvimento”.
O desenvolvimento é abordado na Declaração do Milênio sob a ótica dos direitos humanos. Nesse sentido, o necessário fortalecimento das Nações Unidas contribuirá de forma eficaz para que se atinjam as seguintes prioridades:

a) a luta pelo desenvolvimento de todos os povos do mundo;
b) a luta contra a pobreza, a ignorância e a doença;
c) a luta contra a violência, o terror e o crime;
d) a luta contra a degradação e destruição de nosso planeta.

Os objetivos de Desenvolvimento do Milênio - ODM- buscam concretizar a realização prática dos direitos econômicos, sociais e culturais diante das disparidades existentes entre os países desenvolvidos, os países em desenvolvimento e aqueles com economias em fase de transição.
Também podem ser interpretados como um incentivo à realização plena dos direitos humanos e como uma tentativa de ruptura com os adiamentos indeterminados da universalização dos benefícios do direito ao desenvolvimento para todos. Nesse contexto, os ODM possuem metas e prazos para serem alcançados.
Sendo assim, os ODM precisam ser respeitados e os Estados devem ser exigidos quanto à implementação de ações e mecanismos que propiciem a cidadania ampliada e, inclusive, empenhem esforços para abreviar o tempo necessário ao seu alcance.
Em outras palavras, os ODM requerem que os governos e comunidades nacionais implementem estratégias para vencer as iniqüidades e avançar na conquista dos direitos sociais para todos e todas.
No caso brasileiro, a estratégia que vem sendo implementada nessa direção está associada: à elaboração de políticas públicas mais equânimes; à ampliação da participação social e à introdução de mecanismos que visem dotar a sociedade de instrumentos que lhe possibilite acessar os direitos previstos na Constituição.
No campo das políticas públicas, aquelas que buscam superar as desigualdades de origem, como as ações afirmativas, revestem-se de maior importância.
O quadro a seguir apresenta o compromisso assumido pelos 191 Estados-Membros da ONU com suas metas e medidas associadas aos direitos humanos para seu alcance.




Referências bibliográficas
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – relatório nacional de acompanhamento. Brasília, IPEA, 2005.

Links interessantes

Objetivos do Milênio:

Prêmio Objetivos de Desenvolvimento do Milênio:

Site do IPEA – relatório de acompanhamento:

Autores: Daniela Ikwa, Flávia Piovesan, Guilherme de Almeida, Verônica Gomes.
Fonte: Curso de Formação de Conselheiros em Direitos Humanos (Abril a Julho/2006), realização de Ágere Cooperação em Advocacy, com apoio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos/PR. É permitida a reprodução integral ou parcial deste material, desde que seja citada a fonte.

21 de dez. de 2010

Aula 7 - Convenções Internacionais (Parte III)

1. Convenção sobre os Direitos da Criança (1989)
O sistema global de proteção aos direitos humanos reconhece, em vários de seus instrumentos, os direitos da criança. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos prevê o direito da criança a não-discriminação e a Convenção pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher elucida o princípio do interesse primordial da criança. A Convenção sobre os Direitos da Criança trata de uma série de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, seguindo a Declaração sobre os Direitos da Criança da ONU (1959).
Concentraremos nossa análise sobre a Convenção sobre os Direitos da Criança, que é a estrutura central do aparato de proteção relativo à criança. A Convenção foi adotada pela Assembléia Geral da ONU em 1989 e ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1990. Em julho de 2003, a Convenção contava com 192 ratificações, inclusive a do Brasil, a partir de 1990.
A Convenção começa com a definição de criança: "Todo ser humano menor de 18 anos de idade, salvo se, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes". Houve problemas em se estipular tanto a idade de início quanto a do fim da infância.
Tanto direitos civis e políticos, quanto direitos econômicos, sociais e culturais são previstos na Convenção. Em seus quase 60 artigos, a Convenção enumera os direitos da criança à vida, à identidade, à liberdade de expressão, à liberdade de pensamento, à privacidade, ao acesso a informações, a não sofrer maus tratos, a receber assistência humanitária, a ter reconhecidas necessidades especiais decorrentes de deficiências, à saúde, à previdência social, à habitação, ao vestuário, à educação, ao lazer, às garantias processuais, dentre outros.
A criança possui, como qualquer outro ser humano, dignidade. É com base nessa dignidade que são concedidos à criança os mesmos direitos dos adultos. Porém, com base em vulnerabilidades específicas da criança, ela tem direitos especiais. O fato de a criança ser uma pessoa em desenvolvimento leva ao reconhecimento de dois princípios básicos: o do tratamento especial e o dos interesses superiores da criança. O princípio do tratamento especial trata da necessidade de adoção de medidas contrárias à mortalidade infantil e à desnutrição, além de regras específicas relativas à adoção e à adequação do processo penal à situação da criança. O princípio da prioridade dos interesses concede aos direitos da criança uma relevância ímpar, em decorrência da vulnerabilidade da criança e do seu potencial como construtora de um futuro voltado à efetivação dos direitos humanos.
A Convenção sobre os Direitos da Criança destaca ainda um terceiro princípio: o da participação. Ele consiste basicamente em dois direitos: o da liberdade de expressão e o do acesso à informação. Esse princípio traz duas implicações: o aumento da possibilidade de que as violações aos direitos da criança sejam efetivamente punidas e afastadas e uma melhor percepção e um melhor atendimento às reais necessidades da criança. O Comentário Geral n.º 1, adotado em 2001 pelo Comitê sobre os Direitos da Criança, interpreta extensivamente, em seu parágrafo 20, o artigo 13, ao determinar que a divulgação do texto da Convenção sobre os Direitos da Criança deverá alcançar as crianças de modo a possibilitar que elas promovam e defendam seus próprios direitos.

2. Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes (1984)
A Convenção contra a Tortura, adotada pela Assembléia Geral da ONU em 1984, estabelece em seu artigo 1º a definição de tortura:

"qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência.".

Dessa forma, a Convenção abrange as práticas que produzam dolosamente (com intenção, proposital) sofrimento físico ou mental, e que visem a um desses cinco fins: a) obtenção de informações (ou de confissão; b) castigo; c) intimidação; d) coação (imposição); e) materialização da discriminação com base na cor, raça, gênero, orientação sexual, religião, origem, classe social ou em outra discriminação de qualquer natureza.

A Convenção restringe sua jurisdição às práticas cometidas por "funcionários públicos ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência", visando a coibir condutas que violem a integridade física e a dignidade daqueles sob custódia do poder público. De fato, a tortura institucionalizada, aplicada como instrumento para a obtenção de provas ou para a imposição de punição, foi adotada inúmeras vezes ao longo da história, desde o Código de Hamurabi, no século XVIII a.C. até a Ad Extirpanda, do Papa Inocêncio IV, em 1252 – que permitia o uso da tortura ou dos tormentos para se obter a confissão dos suspeitos de heresia (doutrinas ou ações que vão contra os dogmas de uma igreja) – e o Manual do Inquisidor, do inquisidor Bernardo Gui.
A tortura ainda é bastante praticada atualmente, embora não oficialmente, em um grande número de países, inclusive no Brasil. Inclui, por exemplo: torturas posicionais (ficar de cabeça para baixo, por exemplo), queimaduras, asfixia, choques elétricos, exposição a substâncias químicas, amputação médica, uso de doses tóxicas de medicamentos, más condições de detenção, privação de estimulações sensoriais normais (ficar sem luz, com pouco ar, por exemplo), humilhações, ameaças, coerção para ferir terceiros ou para testemunhar a tortura de terceiros, violação de tabus (exigir que alguém faça algo com o qual não concorda, abomina, por exemplo), lesões várias e violência sexual.
O Brasil ratificou a Convenção contra a Tortura em 28 de setembro de 1989, mas não fez as declarações de que tratam os artigos 21 e 22 da Convenção no que diz respeito ao reconhecimento da competência do Comitê contra a Tortura para receber e analisar comunicações estatais e individuais. Em junho de 2001, a Convenção contava com 124 Estados-membros, inclusive o Brasil, a partir de 1989.
A Lei brasileira 9455/97, que torna a prática de tortura crime, propõe uma definição de tortura mais ampla do que aquela da Convenção Internacional no que toca aos possíveis praticantes. Enquanto a Convenção apenas admite como violador o Estado, a Lei brasileira entende como tortura também o sofrimento imposto por particulares. O fato foi objeto de análise do Relator Especial para a Tortura, que indicou: “Deve-se notar que, de acordo com a definição brasileira, o crime de tortura não é limitado aos atos cometidos por funcionários públicos. Todavia, a lei estipula uma punição mais severa quando o crime é cometido por um agente público”.

Referências bibliográficas
1. UNICEF. Relatório da Situação da Infância e Adolescência Brasileiras. Brasil: UNICEF, 2004.
2. MARCÍLIO, Maria Luísa. A lenta construção dos direitos da criança brasileira: século XX. São Paulo: Biblioteca Virtual de Direitos Humanos da Universidade de São Paulo/Comissão de Direitos Humanos.

Links interessantes

Autores: Daniela Ikwa, Flávia Piovesan, Guilherme de Almeida, Verônica Gomes.
Fonte: Curso de Formação de Conselheiros em Direitos Humanos (Abril a Julho/2006), realização de Ágere Cooperação em Advocacy, com apoio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos/PR. É permitida a reprodução integral ou parcial deste material, desde que seja citada a fonte.